sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Cristina Martinelli: bailarina BRASILEIRA

Em qualquer lugar da nossa mente sempre existirão momentos, pessoas, acontecimentos que nos marcaram profundamente, eternamente, até o final de nossas vidas e quem sabe talvez até além delas!
Um filme que nos emocionou, um poema que disse tudo que estávamos pensando naquele momento, uma música que nos levou em suas asas para bosques encantados ou Noruegas de intermináveis fjordes, um momento de pura dança...



Minha vida, Graças a Deus, é até hoje povoada e pontuada por estes preciosos momentos. Sou extremamaente grato por sua existencia… como se fossem uma espécie de “ponte” de um acontecimento para o outro… Ponte esta que me leva aos momentos nos quais me sinto realmente e totalmente vivo.

Muitas vezes a “ponte” se torna muito longa e passar por ela demora muito… como se estivesse cruzando a ponte Rio-Niterói a pé durante um perídodo de 42 graus. Estas são as épocas as quais literalmente me refiro como “os desertos da minha vida”.

Mas, de repente, quando menos espero, e como que por um passe de mágica, a ponte torna-se curta, as distancias diminuem e eu presencio de olhos arregalados e alma aberta e receptiva “aquela” apresentação de Ballet, “aquela” interpretação de um certo pianista, “aquele” desempenho de um tal ator, “aqueles traços e cores” de um desenho reencontrado, “aquela” simplicidade de um esquecido verso, “aqueles” acordes que tocam até o fundo do meu coração e o rasgam... E como estes momentos fazem bem.

Deles vivo.

Sim.

Não é “por mero acaso” que me lembro e descrevo aqui um “momento” que se alongou para mim por muitos anos, enquanto eu ainda morava no Rio de Janeiro.

Não sei mais em qual Ballet ou Gala ou dia assisti a fantástica Cristina Martinelli, sua arte e sua aura pela primeira vez… Sei porém muito bem que um “momento” transformou-se numa grande admiração, num fascínio artístico e intelectual, numa onda quinestésica que, anos depois, teve sua mutação numa profunda amizade que até hoje nos une.

Cristina Martinelli era “A” musa de um vasto publico que não deixava de seguí-la, apreciá-la, prestigiá-la e até cultuá-la. Sim, pensando que o “Theatro” era o nosso “templo das Artes” não existe melhor palavra para descrever a força desta sacerdotisa da Arte, da Dança. Figura pública cultuadíssima ela era ao mesmo tempo, em termos de dança, a Sacerdotisa e o Ídolo. Incrível esta dualidade. Só mesmo muito talento pode fazer isto possível.


(acima Cristina Martinelli no camarim, esperando sua entrada como Odille – o cisne negro – e seu precioso tutu – obra prima da costura e do figurino brasileiro dos anos 70)

Não gosto de usar palavras como “fãs” quando me refiro à Cristina. Os “seus” eram mais do que esta palavra pode sugestionar. Os "seus" seriam mais apropriadamente descritos como “seguidores” ou como se diria em ingles: a following!
E que “huge following”.

Coisas assim já não existem… talvez no Metropolitan, no Covent Garden, na Ópera de Paris… mas este “nível” de seguidores já não é visto há muito no nosso Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Estamos falando de outras épocas, nas quais ainda não existiam as “Angelas Marias” da dança. Nota: não estou ofendendo Angela Maria, refiro-me apenas à épocas nas quais ainda se entendia de técnica e dança, ballet clássico aqui. O Brasil não tinha ainda passado a este nível popular que elege suas “rainhas do ballet” por outros motivos que são completamente alheios à verdadeira apreciação da dança clássica e do entendimento desta (Tenho porém que adicionar que Cecília Kerche NÃO pertence à esta lista. Maravilhosa bailarina!).

Nas épocas em que o poder da “Media” era bem mais contido, tenho a impressão de ter presenciado mentalidades mais sábias, intelectos mais despertos e muito mais aguçados, críticos com mais conhecimento, mais cultura…

Ainda não existiam no Brasil (e na Europa, como a linda Rosane Maia - a Branca - que nao mais está entre nós uma vez me disse) “marquizes com nomes iluminados em letras de neon”.
Existia simplesmente só “propaganda” bonita e culta: amigos se recomendavam certas peças, certos espetáculos, certos artistas… críticas escritas por pessoas “sem filiações partidárias” (ou até outros interesses mais mesquinhos) eram objeto de análise, discussões, questionamentos e, até, tertúlias…


(acima Cristina Martinelli como Odette – o cisne branco – e seu tutu, outra preciosidade da costura e do figurino brasileiro dos anos 70)

Mas os tempos passaram e o poder da “Media” tornou-se incontrolável… Como o Monstro de Frankenstein ou como a florista, Eliza Dollitle, de “My fair Lady”: O criador perde o controle sobre o próprio monstro, sobre sua própria criação… Isto, adicionado à (já conhecida) curta memória no nosso País (Sim, mais uma afirmação sobre a existencia de uma certa amnésia cultural reinante no Brasil) é muito triste.

Não posso de deixar de mencionar uma frase de Ivan Lins que bem retrata esta situação:
“O Brasil é um país que esquece a sua história a cada 15 anos”.
Precisamente ele fez uma síntese, em poucas palavras, de um dos mais graves problemas culturais do Brasil.


Por todos estes motivos me alegrei muito com uma “luz que vi no horizonte”. Há pouco tempo atrás, exatamente a partir do dia 15 de outubro, foi organizada uma linda exposição “Jóias do Ballet Brasileiro” em Joinville em honra de algumas Bailarinas brasileiras. Organizada de forma bonita e profissional por Darling Quadros a exposição convidou para sua abertura não só Cristina Martinelli mas também a maravilhosa Nora Esteves.
As duas "embaixadoras do Ballet" representaram o resto das bailarinas homenageadas.

(Cristina Martinelli e Nora Esteves)

Um Bonito encontro de gerações da “dança” e como um rapaz chamado Marcio Nascimento muito bem colocou no Facebook: “linda Musa da dança classica! A brasileirissima Cristina Martinelli! Crianças; estudem história da dança e conheçam nossos monstros sagrados ...”. Bravo, Marcio! Muito bem expressado!

E quantas estórias para estas gerações mais joven descobrirem… como quando o Bailarino da Ópera de Paris, o alemão Michaël Denard lhe disse: “Quero ver voce dançando o Lago dos Cisnes” (e com isso ele se referia aos papéis de Odette/Odille que foram imortalizados por ela e não aos maravilhosos solos que a jovem Martinelli estava dançando naquela estação). O desejo de Denard tornou-se realidade… para o nossa felicidade e grande sorte!


Na exposição os “Tutus” (todos em fotos acima) de Cristina Martinelli tiveram um destaque especial, foram os únicos a serem colocados com proteção, atrás de vidros, por serem jóias preciosas dos anos 70. Os dois tem um significado incrível para todos que realmente entendem e amam o Ballet no Brasil… Lembranças de épocas de muita classe… Também preciosos são os adereços por ela usados e gentilmente emprestados para a exposição. Como, por exemplo, as sapatilhas que usou como criança, o adereço de cabeça do "Cisne branco" e os brincos que usou como “Marie Taglioni” em “Pas de Quatre” (na foto abaixo à direita) mas esta já é uma nova estória, uma nova “Tertúlia”.



“Trocando em miúdos”: Quem se lembra de nomes (só para citar alguns) como Bertha Rosanova, Aldo Lotufo, Maria Angélica, David Dupré, Sandra Dieken, Eliana Caminada, Rosangela Calheiros, Heliana Pantoja, Rogerio Schubach? De "Mestres" como Eric Waldo e Eugenia Feodorova? E de uma gerações mais novas e de nomes como Rodolfo Rau? E dos nossos maravilhosos maestros, cenógrafos, coreógrafos, figurinistas? Quem se lembra das belas produções teatrais que tivemos – desde “Combate” e “Giselle” (também dançados por Cristina Martinelli) à produção maravilhosa de “Vestido de Noiva” no teatro do BNH na qual atrizes, hoje em dia práticamente esquecidas como Camila Amado, Norma Benguell e Maria Cláudia – grande mulher – brilharam como diamantes? (Detalhe: “Vestido de Noiva” foi encenado pela primeira vez no Theatro Municipal por Ziembinsky… Mas quem se lembra de Ziembinsky?). E em termos de música popular : Há quanto tempo, afinal, vocês não vêm Francis Hime, João Bosco, Claudete Soares, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Doris Monteiro, Leny Andrade e tantos outros veteranos em programas da TV?
Cristina Martinelli, fique orgulhosa: voce está em grande companhia!
Mesmo assim: pobre,triste Brasil... Brasil cheio de amnésia...

Mas ainda existem homenagens "Hollywoodianas" com posters dos tamanhos dos Outdoors da nossa infancia (Lembram do "Metro Passeio"?) Por que? Porque o povo ainda necessita ver seus verdadeiros astros e estrelas!
Sim, precisamos das Martinellis, dos Cisnes da vida!


Temos muito que dizer, conversar, tertuliar sobre esta grande artista, sobre esta maravilhosa intérprete e grande personalidade que – infelizmente - não ocupa o espaço que merecidamente deveria ser seu dentro do cenário cultural brasileiro…

Como Ivan Lins disse: “O Brasil é um país que esquece a sua história a cada 15 anos”.
Vamos tentar mudar isso?

Pelo que li no facebook Cecilia Kerche, grande bailarina, foi a única das bailarinas homenageadas, que deu seus parabéns à Cristina Martinelli. Meus parabéns para voce, Cecília! Não só uma grande bailarina mas também uma bonita, forte personalidade!

Deixo, com vossa permissão, esta “Tertúlia” de hoje em aberto… e só faço uma pergunta: Não seria um enriquecimento para o nosso povo se pessoas como Cristina Martinelli pudessem passar seus ricos conhecimentos para novas gerações? Como faz a Ópera de Paris, o Covent Garden, o ABT, o New York City Ballet? De geração em geração…

Tertúlia aberta para uma discussão…

Willkommen....

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